“Tudo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.”
Assim começa a história de Macabéa, uma
nordestina bem característica que Clarice Lispector, brilhantemente descreve em
seu livro - A Hora da Estrela. Não
pense que foi fácil escrever qualquer coisa a respeito desse livro. Resenhar nunca foi tão difícil. “Não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas.” Acontece
que as obras de Clarice não são fáceis de ser compreendidas, não é atoa que
muitos críticos a considerava hermética, ou seja, de difícil compreensão, enigmática.
A própria autora já declarou, em uma entrevista
que, algumas de suas obras, ela mesma não entendia; é o caso de um de seus contos chamado O Ovo e a
Galinha. Mas, vou tentar expor minhas reflexões sobre a obra, de maneira simples, para que todos entendam e consigam se apaixonar por essa maravilhosa história.
O livro é narrado por Rodrigo S.M, um
escritor fictício que, andando pelas ruas do Rio de Janeiro, vê de relance no
rosto de uma nordestina, o sentimento de perdição e, ao se deparar com aquele
olhar inocente e perdido, consegue enxergar a história da pobre moça. Assim,
começa a descrever, paulatinamente, a respeito da vida de Macabéa, uma alagoana,
ignorante e virgem que se muda para cidade do Rio de Janeiro com sua tia. Esta
cuidou da moça desde seus dois anos, quando os pais morreram. Macabéa se diz
datilógrafa, porém, mais tarde, nos confessa que seu maior sonho era ser uma
estrela de cinema. Mas, como tornar-se estrela de cinema se era feia e tinha cor de
sujeira? O próprio Rodrigo S.M nos relata que, para escrever sua história ele
teve que se vestir com roupas velhas e rasgadas, somente para se por ao nível da
nordestina. Quem sabe se fosse como Glória, sua colega de trabalho, isto é, sensual
e bem nutrida, Macabéa pudesse sonhar em chegar ao estrelato! O fato é que, por
enquanto, trabalhava como datilógrafa para Raimundo, e ele a intimidava com
constantes ameaças de demissão, pois a menina errava muito, era péssima datilógrafa.
Como era de se esperar, Macabéa acaba
encontrando aquele que seria sua suposta alma gêmea; Olímpico de Jesus, um
nordestino que trabalhava como operário em uma metalúrgica. Os dois se farejaram como os iguais de sua espécie, porém, Olímpico frequentemente, queixava-se da moça. Ela nunca tinha nada para falar e sempre repetia o que ouvia durante o dia na rádio. Acontece
que o rapaz não tinha o menor prazer de estar com ela, pois a achava feia e
sem sal. Um dia Olímpico conheceu Glória, amiga de Macabéa, e, de imediato, imaginou que teria melhor proveito com esta. Desse modo, termina seu relacionamento com "Maca". Pobre nordestina, sem sal, magra, inelegante e agora, sem namorado! O que
seria de seus sonhos?
A história vai se desenrolando com um
enredo surpreendente, misterioso e místico; confesso que quando li pela
primeira vez essa história, eu achei que a trama teria outro final. Mas, é
tempo de morangos, certo?
Depois que vocês leram esse brevíssimo
relato, e quando digo brevíssimo, é porque realmente é uma gota mínima da
história, devem estar imaginando... é só isso? O que tem de tão difícil em fazer
uma resenha sobre a história de uma nordestina? Bem, tomando nota sobre alguns
fatos sobre Clarice Lispector e sua obra, vocês entenderão o por que.
Em primeiro lugar devemos entender que
esse romance faz parte de um gênero literário chamado intimista e, dessa forma,
a narrativa está sempre no tempo psicológico dos personagens, trazendo a tona
suas experiências traumáticas, questões espirituais e morais, assim, o exterior
é secundário. Para ler Clarice, precisamos fazer uma investigação da alma de
seus personagens e, mesmo que o foco desse romance seja de natureza social, precisamos
perceber a essência de Macabéa. Em
segundo lugar Macabéa é vista como o retrato do povo brasileiro daquela época e
trás consigo todos os problemas sociais que a classe sofreu em seu primeiro
contato com a cidade grande. Ela, assim como Macunaíma, personagem de Mario de
Andrade, pode ser considerada como um anti-herói; tal fato é constantemente
enfatizado no decorrer da narrativa de Rodrigo S.M, que sem nenhum pudor,
descreve a nordestina Macabéa como uma mulher miserável, que mal tem consciência
de sua existência.
Agora, vocês sabiam que Clarice
Lispector nasceu na Ucrânia e veio para o Brasil ainda pequenina e, quando
chegou aqui, morou, juntamente com sua família, na casa de uma tia, irmã de sua
mãe? Que cresceu em Recife e depois foi
morar no Rio de Janeiro? Que precisou trocar de nome ao chegar aqui, e de Haia
Lispector se tornou Clarice Lispector? Que era meio mística e foi convidada
para participar de um Congresso de Bruxas em Bogotá? Que fez datilografia, se
formou em direito, mas preferiu ser redatora e jornalista? O que eu quero dizer
com tudo isso é que, ao pesquisar a biografia de Clarice, encontramos fragmentos
do enredo que compõe a história de Macabéa. Não tem como desvincular a autora
da personagem, pois uma tem necessidade da outra. Certa vez, em uma entrevista para
o programa Panorama na TV Cultura, Lispector diz que a inspiração para criar essa
história se deu, quando viu uma feira nordestina no Rio de Janeiro. Naquele
momento, acabou tendo uma epifania e, assim, nasceu a ideia de criar uma
personagem nordestina que era tão pobre que só comia cachorro-quente, mas a história
vai além disso; é a história de uma inocência pisada por uma miséria anônima que os nordestinos, freneticamente, sofrem por meio da exploração do sistema capitalista. É a história sobre o desamparo e a solidão dos
seres-humanos.
Clarice Lispector costumava dizer que
não se considerava escritora, pois só escrevia quando tinha
vontade, ela preferia não ser profissional, pois, assim, mantinha sua liberdade. O que eu acho disso? Bem, ela pode não se considerar
escritora, mas em sua conturbada vida, vivida intensamente e cheia de
aventuras, ela pôde captar a essência humana. A Hora da Estrela foi seu último
romance publicado em 1977, mesmo ano em que faleceu. O livro ganhou o prêmio
Jabuti, um dos mais importantes prêmios da literatura brasileira. Então, se
ainda não leu, essa incrível história, recomendo que o faça e depois, assistam também ao filme, pois
não foge em nada do contexto da história.
Bem pessoal, é isso. Beijos e até a
próxima.
Bibliografia:
Panorama - TV Cultura entrevista com Clarice Lispector
Diverso - O Mundo de Clarice
Profissão Repórter - Clarice Lispector
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